domingo, 19 de setembro de 2010

Panaceia amorosa

Ele a dizia reclamuda.
Mas ninguém pode dizê-la.
Se ela fosse recla-muda, não diria nada. Mas diz.
Afirma. Escreve.

Fazia verso e lágrima. Choro e vela.

Ele disse que não deveria ela falar tanto: panaceia de choramingos....

Se diz: panaceia, quando quer dizer-se que serve para tudo? Em termos de funcionalidade, pode ser.

Então, o amor ter seus reclaminhos pode ser funcional, às vezes.

O amor é raminho de erva medicinal.

Ela sabia disso. Panacea - deusa grega da cura.
Sabia que se pode curar com amor. Pode-se morrer também.

Veneno ou remédio - depende do quanto se toma. Depende dos particulares efeitos sobre cada corpo e cada alma pequena.

Para ela, o amor que vem ramero, é aquele do dia a dia, cheiroso em ervas.
Que se expande no ar feito aroma de frutas. Que dorme na cama feito trevinho quatro folhas em vasinho na estante.
Ou como chá de rosas que se exala fresco e suave pela casa fechada.

Ela fazia panaceia amorosa. Ralhava, reclamando amor cheiroso de sabor erótico, feito comidinha caseira prontinha sobre o fogão a lenha.

Ele esqueceu-se.

No meio da oração, ela pedia: "oh Deus, campo em flor, não abandone minha extensão, minha fervura, nem meu vapor. Faça-me regressar pequena como semente quando o amor rasgar-me a pele e o coração. Dê-me um pouco de flores em campo aonde ir ter quando perder-me. Socorre-me da noite que me encaverna e me engole."

Deus a atendia. Dava-lhe o homem toda noite, repleto de cheiros e sabores.
Ela sabia.
Seus pedidos, contudo, eram pra manter a lareira acesa.

resposta ao tédio outro

Aquele tédio conhecia de longe.
Mais que isso: isolava-o.
Queria ver se testes se aplicavam nele.
Queria que ele fosse cotidiano.
E ele era.
O dia surgia quente - naquela cidade. Sem nenhuma brisinha que fosse.
Pudera: o calor queima os miolos. Foi ficando insólita.
Eis que rumava toda semana, ao mar-outro.
Não mar-morto. Mar-outro.
Fazia novas ondas, outros ares.
Até o sal tinha gosto distinto.
Lá ela podia fazer-se. Espreguiçar-se como kundera....
Lá ela podia dormir.
O cotidiano era tingido de cores ocres e rubras - ao mesmo tempo.
Virava arco-íris cintilante.
Envernizava paredes polidas.
Esmaltava cartilagens branqueadas.
O dia saía a vapor.
Nem se contavam horas, nem fios. Ele simplesmente passava.
Das noites e das insônias,
contavam-se sempre as peripécias sonhadas.
Planos eram aos baldes confeccionados.
Elas costuravam toda noite.
O tédio era fio mais bonito! Era da cor que quisessem, aquelas falantes!
O azul nem era um. Era monte.
O monte nem era pedra. Era mar.
O mar nem era lágrima. Era riso.
Riam.
E mesmo que nada dissessem, estavam lá a matar os rijos-cristais.
Se diluíam.
Se costuravam.
Se deleitavam.
Os sonhos - nem percebiam,
já eram realidade.