quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Na superfície do mundo
beira meu coração.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Fixar o tempo

E seguia pelo caminho estranhamente.
Já não era surpresa: estranho sempre foi.
Se seguia... não fazia diferença.
Achou que saindo dali poderia descobrir mundos.
Mas o tempo de sair não está contado.
O tempo de sair já não é o mesmo.
Ficou diferente. Permanecia - entretanto- estranho.
Vai ver sua estranheza era jeito de fixar o tempo.
O tempo escorre dos dedos.
O tempo molha as janelas.
O tempo esfria a fogueira.
Pobre missão fracassada.
Não detinha nem o tempo
nem os sonhos
nem os caminhos.
Sequer podia caminhar da mesma forma.
E se parasse?
Pensou algumas vezes...
Coitado.
Inútil.
Não há como fixar o tempo.
Nem com a estranheza peculiar.
Deixa o tempo seguir seu rumo
já que o seu perdeu-se no tempo.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Papel de parede

Farei em uma parede
papel de fotografias velhas e gastas.
Pelo tempo....
pegarei as rugosas,
as amareladas,
as que conservaram coloridos nas pontas,
as de centro e de cantos....
Elas comporão um mosaico de lembranças.
Ficarão naquela sala perdida.
Na parede branca
que tornar-se-á arco-íris.
E se depois de pronto
meu quadro de fotografia
feito papel de parede
não trouxer de volta
a música antiga e um gosto de pó...
esperarei sentada de frente à ele
como quem guarda na memória uma dor pequena.
Ficará ali,
para lembrar-me de que muitos feitos foram passado.
E se algum dia
da parede de lembranças
escorrer uma lágrima amarelada
saberei que é hora de partir.

Cerejas e bananas

Contou-me ele que
preferia bananas.
Fruta que mais apreciava.

Assim mesmo
pôde ir a uma incrível viagem.
À um encontro saboroso da vida.

E disse ele: "a gente pensa que lá - como nos fazem acreditar -
não há nada de bom.... só terrorismo e pobreza"

Mas não é isso.

Lá até a pobreza tem um pé carregado de cerejas.

E conclui: "acordava de manhã e aquele pé lá - carregado - de cerejas".

Em pouco tempo
havia comido mais cerejas
do que bananas a vida inteira.




Para E. Mourad

As pessoas estão a ver tv

As pessoas estão a ver tv...
Na tv está a passar a vida de outras tantas...
E a vida...
ninguém a vê passar?

Enquanto a música ressoa dentro de mim
reparo ao redor:
as pessoas estão dormindo.

Eu sonho acordada.
Pouco importa que os outros durmam.
Deixo-os.

Não suporto a tv anunciando a vida parca,
seus enfeites artificiais,
suas facetas apodrecidas e mal cheirosas.
Seus sons bizarros, suas intolerâncias.

Deixo-me a boiar
como se estivesse numa piscina de melodias
boas e leves...

Não quero ver tv.

Quero a música a ressoar em mim.
Quero as cores, os sabores.
Os bons e velhos sonhos.

Ei, será que tem alguém aí?
Não posso mais esperar...
Por favor
desligue a tv.

sábado, 13 de dezembro de 2008

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Alegria triste

Isso me ouviu fundo
chegou de manso alegria triste em mim.

Saborosa como as cerejas lisas com seus talos verdes e foscos.

Como pode um som tocar a gente assim?

Nada resta senão
colocar-se a ouví-lo

infinitas
infinitas
infinitas...............

sábado, 28 de junho de 2008

O que faz da gente palavra?

Caiu palavra dentro dos meus olhos
a vista ficou embaraçada, cheia de linha, letra e cor
Acordei com desassossego no colo.
Passei dia estranho e calcado no chão de sentido...
Até que parada embaixo de um pé de jabuticada
encabulada
pergunta veio assuntar:
O que faz da gente palavra?
Como quem não quer nada
letra é assim...
cada uma, uma a uma
vai caindo nos olhos da gente
e enchendo a vida de flor
e jabuticabas!

domingo, 18 de maio de 2008

Vejam ou melhor leiam vocês...

"quantas nas vezes – muitas,
um por sobre um,

mesmo que, sem precisar um borro, uma nódoa,

ser entre quem quer que seja,
sem nunca saber se o limite de um fim – à
exaustão.

– mas o que pode ser
senão isto?

(cada um um deserto)."

ÉRICA ZÍNGANO

quarta-feira, 14 de maio de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

O dia em que minha avó morreu

Era um dia cinza como carvão deitado em água
Chovia pela janela do carro
e as pedras úmidas da estrada
pareciam com meus olhos.
No caminho até seu encontro
miragens e pastagens me consolaram a alma.
Pensava:
'de tão velhos, gastos, os sapatos
deveriam mesmo descansar...
A morte não poderia tirar-lhes
as pisadas, os caminhos percorridos.'
Se, de tudo
ficarem as lembranças
não estaremos absolutamente sós.
Ah... os biscoitos, os croquetes,
os pasteizinhos de carne
que vovó preparava como ninguém...
Lembro-me de quando criança ainda
esperava ansiosa
a festa, o barulho, as gentes
a correricar a vida...
O povo vinha chegando
de repente, aquela infinidade
de rostos, de tons...
os pasteizinhos lá em cima da mesa
cheirando gostinho bom.
Feitos um a um.
Embora fossem da mesma massa,
como feitos por gente,
vovozinha,
cada um tinha um tamanho
e uma dobrinha particular.
Embora pequena, eu já antevia os milhares de sabores daquela festa
da passagem das pessoas por ali.
Muito tempo fiquei sem poder provar
os pasteizinhos...
Pois me eram tão caros
que permaneciam na miragem
ao sabor dos olhos...
Nem um, podia provar.
Era que passava mal.
Passava mal deixar de contemplar aquelas cenas.
Como se espectadora
eu pudesse registrá-los na memória.
Se pode saber o gosto
de algo sem comê-lo?
Há quem diga "detesto isso ou aquilo".... sem nunca ter provado....
Pois digo que os pastéis eram incríveis.
Tão saborosos, que só de olhar
me fazia criança-admirada
Vinham de mãos cansadas e rijas
do tempo, da falta, da dor...
Vovó tão velhinha fosse
era mais velha por suas bagagens.
Então um sapato velho
não pode ser medido por sua aparência. Senão por sua história.
No dia em que vovó morreu
atravessei longas estradas chuvosas.
Um misto de tristeza e descanso
me assolava as pontas dos pés.
Como se dissesse para mim mesma
que melhor é ir andando devagar.
E mesmo
que ora sim, ora não
entre lágrimas topasse alguém
pudesse dizer eu:
'os sapatos velhos estão a descansar.
Não chores.'
Há quem diga insana minha compaixão pelos sapatos
que certo seria deixar de fazer
tão versos tortos.
Mas os pasteizinhos, cada um
feitos da mesma massa
eram diferentes.
Marcados pelo garfo em flor
inspiravam lembranças infantis
criança que espreita detrás da porta,
da soleira,
da estrada....
vida e morte
dor e fé
caminho e saudade.
Depois de algum tempo....
o cinza se abria em cor
com os olhos lavados
pode-se enxergar melhor.
'Vai, vó.
Vai descansar.'

domingo, 27 de abril de 2008

“Sou uma cadeira e duas maçãs” (Clarice Lispector)




“Há uns anos gostava de comer maçãs

achava saboroso

principalmente as brasileiras

elas tinham um gosto leve

meio oco e azedinho

doce ao mesmo tempo

depois de uns anos,

as maçãs,

mesmo as brasileiras que tanto gostava

ficaram como as argentinas....

ocas mesmo...

tipo isopor

deixei de apreciar as maçãs....

agora,

no pé,

elas me parecem melhores

mas estão no pé

longe do alcance das mãos.

Enquanto isso....

sento-me numa cadeira...

a esperar...”

domingo, 2 de março de 2008

Os versos

Novo ano já começou e há tempos deixei as luzes de natal.
Sinto-me cigana.
Até que não é das piores sensações que já tive.
Pelo menos me alcança um breve sentido de liberdade...
O problema maior é quando sinto-me só.
Sem dança, música ou festa. Sem magia e sem os meus.
Mas se é possível que a vida carregue em si mesma suas lembranças
esta é a minha.
Deixo que a tristeza espreite minh'alma.
Assim lembro-me que toda liberdade é limitada...
Não é ruim. Os limites fazem minha própria borda.
E a borda?
... costuro-a, enfeito-a, rebordo-a.
Não me importa tanto os versos.
Me importa mais revisitá-los
e mesmo com a impressão de vazio
amá-los.