sábado, 22 de maio de 2010

Idéias gastas

Não fez, ela, como o Rei de Colassanti, que entregou ao Tempo a idéia azul, pobremente enclausurada.

Ela preferiu gastar seus dedos. As pontas.

Preferia idéias gastas, é verdade. Pois ainda, em seu visar, continham originalidades. É que se esquecem – tantas vezes – que o gasto porta histórias.

Ficam procurando começos quando, os meios e finais, encalçam diferenças tamanhas.

Sabia-se estranha. Reconhecia.

Mas as idéias tinham várias cores. Nem eram azuis, nem cores de rosa. Eram arco-íris.

Faziam pontes pra lugares mágicos de potes de ouro. Valiam muito.

Todo o resto, seu corpo, envelhecia. Até as pontas de seus pés curtiam certo cansaço. Porém, dançavam como bailarinas.

É que algumas danças pedem a leveza do gasto.

Van Gogh também sabia: seus girassóis e seus sapatos velhos, suas noites brilhantes e seus campos de trigo, não saíam dos olhos dela.

Maravilhava-se.

Dias corriam que ela achava medo. Quando topava-se triste, reencostava-se no coração dele e escutava as palpitadas. Eram firmes e quentes.

Ela, reabastecia-se.

Animada de novo, saia a ver pássaros como se soubesse voar. Não desistia.

Foi desse jeito, quando voou de avião pra encontrar-se par dele.

Nem tudo prossegue, sempre. As rudezas também congelam almas. Vez em quando, diante de sua estreiteza, rezava. Quem não se apavora, com as tempestades? Mas sabia-se, de modo gasto, que não precisava parar. Assim, prosseguia.

É que a fé é faca amolada. Traça e retraça caminho, abrindo os olhos fechados pelo cansaço. Ela não desistia.

Ele, coitado, se desesperava ao vê-la cor só. Era pra ela ser arco-íris, ele insistia.

Um dia, de tanto achar-se comum, decidiu que ia mudar-se. E, no meio de estrada sem fim, nem no começo, nem no fim, encontrou caminhos.

Viu, então, que o seu comum era o seu quinhão, mesmo desta feita, ainda ficavam idéias gastas rodopiando seus assobios.

Decidiu cantar. Canção velha e nova, conjugada.

Às vezes, desafinava que só! O coração marcava compasso.

Foi como cada qual caminho fosse feito de trilho: rastros e restos. Sonoros.

E um dia, depois de muito gastar-se, cantou pra subir.

"Carta roubada"

Do jogo que encontro em franco movimento me ocorre uma clandestinidade bonita. É que ouvindo as escrituras dessas vozes, sinto-me clandestinamente convidada a participar.

Participar de quê? Nem me pergunto.

São as sensações que me apetecem.

E, hoje nem é tão quente que os poros estejam abertos. Mas os olhos estão.

Pelas palavras-chamas fui atingida. Nada que estremeçam as pedras.

Sem que, contudo, tenha sido convidada, faço-me intrusa. Respondo a mil vozes que se entrecruzam, mesmo a noite ainda encontro inesperado sol.

É para dizer dos encontros. É para registrá-los.

Com o tempo, com o sol, com as máscaras em baile, com a rebeldia, com o amor, com as mil e uma noites... enfim. Nem tudo que ultrapassa a tela cinza faz sentido. Mas se diante do nonsense podemos ainda clandestinar, é porque nem tudo está pronto. E não estando, podemos pôr a funcionar.

Outro dia, enquanto a estrada roçava o horizonte, vislumbrei o mar em calmaria. Mas ele nem sempre é calmo. Ele é forte. É intruso. Entra em nós, sem que percebamos, e bota sal na vida e nos versos.

Não é curioso que tenho um mar nos olhos?

Aos bons encontros. Potencialmente clandestinos.

Abç.

Cf.