sexta-feira, 31 de julho de 2009

"A memória guardará o que valer à pena.
A memória sabe de mim mais do que eu;
E ela não perde o que merece ser salvo."

Eduardo Galeano

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Destino

Em terra de friagem firme
destino de menina é ser peixe de água quente.

Contingência

Meu texto é existência
contingente.

Abre-se em mil direções

Decifrá-lo é percorrer
os caminhos sonhados
estreitos
perdidos.

Não há sinal para doer.
Dói, quando dói.

O fato não tem direção.

A direção vem da alma
e é isso que dói.

Desejo

Mesmo quando dorme a cidade

a paz em mim está rubra.



Não há como fazer
dormir o desejo.

Enxaqueca

Lateja a cabeça em dor.

Não quer saber do barulho lá fora.

Interessa-se - apesar de latejar -
pela voz que sai do gravador...

Pelo eco que se produz do corpo
cansado e vazio.

Não se está a morrer.

Enquanto lateja
a vida pede mais água
e sol.

Sina de cabeça que sonha:

lateja
lateja

depois se consome.

Outridades

Não se pode dizer o que se é.
Ser é bifucar-se.
Abrir-se, partir-de,
espalhar-se...

É ter sensação de certeza
quando se é o mundo
todo e nada.

É ser outro.
É ser estrangeiro familiar de si mesmo.

Não digas o que pensas que és.
Ou, diga, apenas, diga.
Que a palavra se esvai,
impede o certo,
o fixo,
o inequívoco.

Se somos deserto mesmo
cheios de outros,
somos antes um nada,
um limite,
uma fenda.

Naufrágio

Ai deus
que deserto
tão grande em mim...

Chega que naufrágio.

Possessão do traço

Escrevo porque morro.
Meu ser é enigma.

Minha lacuna se faz traço
para inscrever no papel
a falta, a minha morte,
o despir-me.

Sem recursos,
estou possessa.

E como nada tenho a perder,

traço.

Traço linhas enigmas
perdidas
pela minha morte cotidiana.

Impossível no papel
caber
meu destino inventado.

Fio partido
meu traço
traça a borda
da vida
da morte
escrevente e enigmática.

Intervalo

Quanto vale o espaço
que se interpõe
entre palavra e outra?

Quanto vale a palavra
que se entreabre
entre um sentido e outro?

Que fio costura o dizer?
que fio?

Transverso

O verso que tranço
entrelaça espaço,
palavra e tempo.

Verso que amarra,
afrouxa, se arranca, se veste.

Verso de dormir,
Verso de comer,
Verso de amar.

Verso contado, transviado, perdido.

Narrado em vida
suscita
enlaça
e transversa.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Maria de amar

Tenho nome Maria
Mas nenhuma vocação pra santa.

Meu sangue é preto e ferve feito feitiço ruim.

Na cintura carrego mais do que lembranças.

Meu corpo inteiro dói.

Ao tempo em que tudo se dissolve em mim
não guardo nem ódio nem beleza.

tudo é menos árduo se transparente.

Maria para constar.
Maria para morrer.
Maria para calar.

Ora vez falo quando dá na telha.

E por vezes, falo mal.
Mas o mal que contenho
não é maldade.

É amor.

Amor de maria, minúscula.
Indecisa.
Transparente.

Amor de morrer.
Amor de sentir.

Maria, Maria...
diz a canção
tantas vezes Maria.

Nenhuma pode me definir.

Nada.

Apesar disso corro.


e muitas poucas horas
viro vento.

domingo, 26 de julho de 2009

O amor

O amor não vem com o dia
nem com a noite.


O amor


vem com o vento.